segunda-feira, novembro 15

Castro Alves

A Canção do Africano

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ... 




De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!



"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!



"0 sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!



"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...        

"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".



O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
P’ra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!





O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.



E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!      

Recife-1863
Castro Alves, Poesias completas,Saraiva,1960


Biografia
O poeta baiano Antônio de Castro Alves se tornou famoso pela beleza de seus versos românticos e, também, pela coragem de seus poemas sobre a escravidão. Ele comprometeu-se com as principais lutas sociais e política de seu tempo. Seus poemas, que defendiam a liberdade e a democracia, tiveram grande influência na campanha pelo fim da escravidão. Morreu em 1871, com apenas 24 anos, sem presenciar a abolição da escravatura, decretada em 1888.

Referência:LEC: linguagem,expressao e cidadania/Adhemar Oricchio...(et al)ed._ _ Sao Sao Paulo:IBEP, -- (Coleçao)

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