segunda-feira, agosto 2

Texto

Nem sempre o amor entre duas pessoas caminha para um desfecho feliz. Observe o texto a seguir:

Alô Alô

Irma, mulher profundamente religiosa, apaixona-se por seu companheiro de trabalho Teófilo, que é ateu. Sabendo que não poderá jamais casar com um homem de quem está separada pelas barreiras da fé, decide afastar-se dele, sem revelar seus sentimentos. Pede demissão do emprego, muda-se para um bairro distante e entrega-se a uma existência ascética.
Sucedem-se os jejuns e as penitências.
Seu amor, porém, não morre, e Irma é atormentada por saudades. Todas as noites liga para Teófilo.
__ Pronto! -- é ele.
Irma calada.
__ Alô! Pronto!
Ouvindo a voz querida, Irma estremece de dor e de gozo.
__ Alô! Quem é que está falando? Responde!
Irma tapa o bocal com a mão e beija silenciosamente os nós dos dedos.
__ Fala, animal! Te identifica!
Irma contém um soluço, enquanto o telefone despeja palavrões. Finalmente, ela desliga.
Todas as noites é a mesma coisa. Teófilo está furioso. Já não come nem dorme, tamanha é sua raiva. E não sabe o que fazer.
A conselho de amigos solicita o auxílio da polícia. As investigações revelam que as chamadas partem do telefone de Irma. Teófilo é avisado para prevenir a delegacia tão logo receba o telefonema misterioso.
É o que faz.
Os policiais invadem o apartamento de Irma e a surpreendem, no meio da ligação, a beijar o dorso da mão magra. Alucinada, atira-se pela janela. Felizmente o edifício é baixo e ela sofre apenas escoriações. Depois de medicada é levada à delegacia.
Teófilo é chamado.
Ao ver Irma entre os policiais, grande é o seu espanto. E para surpresa de todos:
__ Mas eu te amava, Irma! -- grita. -- Eu te amava!
__ Vade retro, Satanás! __ responde ela chorando.
Os jornalistas presentes compreendem sua dor.

(Moacyr Scliar. *O carnaval dos animais*. Ediouro, s/d. p. 105-6.)

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